Por Emergentes

Estamos em 1989 e a paisagem desértica do Novo México é o cenário de uma história que se passa entre os limites de uma pequena academia e os becos escuros de uma cidade esquecida. Ao fundo, o rádio toca uma música de John Carpenter que é interrompida com a notícia da queda do Muro de Berlim.

Luzes de neon estilo flashdance iluminam os pesos, cordas e esteiras onde desfilam corpos enormes e esticados, brilhando de suor e repletos de anabolizantes. Lou (Kristen Stewart) trabalha naquele armazém, uma garota com olhar renegado que cuida de tudo, desde limpar, atender clientes ou vender refrigerante, e quando o relógio bate, ela mal pode esperar para sair de lá, acender um cigarro e chegar em sua casa para se reunir com seu gato. É assim que passam os dias dessa garota que é atravessada pela chegada de Jackie (Katy O’Brian), uma ambiciosa fisiculturista que quer realizar seus sonhos em Las Vegas. A rotina opressiva daquela academia é transformada pela história de amor dessas duas lésbicas que tentam sobreviver em uma cidade rural conservadora dos Estados Unidos de Reagan.

Dirigido pela britânica Rose Glass – cujo filme de estreia, Saint Maud (2019), é um extraordinário exercício de estilo dentro do terror místico -, “Love, Lies and Blood” é ao mesmo tempo uma história LGBT, uma sórdida história de detetive e uma retrato distorcido de época, entre a violência sexista e a corrupção policial, e que ainda fala sobre mandatos familiares e encontrar ferramentas para construir outro futuro possível e salvar-se.

Trata-se também da encenação de um universo em que o fantástico desempenha um papel fundamental na elaboração de uma poderosa declaração de princípios. Isto não tem nada a ver com questões de identidade ou políticas de gênero, embora leituras neste sentido também sejam necessárias. Pois esta história mostra que o cinema com protagonistas LGTBIQ+ pode ser divertido e sem preconceitos. “Precisamos absolutamente de filmes com temas queer que choquem. Acho que precisamos de todos os tipos de filmes queer”, explicou Glass em entrevista à Vogue. “Houve um tempo em que parecia que a única maneira de retratar lésbicas na tela era em filmes de época elevados, sérios e de extremo bom gosto, onde as mulheres praticamente não se tocavam. Alguns longas-metragens incríveis, quero deixar claro, mas contavam histórias em que a homossexualidade era um fardo terrível ou uma fonte de sofrimento e os protagonistas apenas se entreolhavam tristes. É bom que este filme tenha coincidido no tempo. Há espaço para todos”, disse ele.

É assim que neste universo que mistura corpos, vingança e contas familiares pendentes, o elemento do fantástico é utilizado para realçar o que ocupa a alma do filme: os desejos e sentimentos dos protagonistas. Esse é o motor que impulsiona, por exemplo, a transformação de Jackie em Mr. Hyde para defender sua namaroda. Porque em conclusão, nesta trama de sangue e mentiras, o amor é mais forte.