Mesmo com o aumento de tragédias, como a vivida atualmente no Rio Grande do Sul, o Congresso Nacional insiste em aprovar medidas que negam os impactos da emergência climática, como a aprovação do Marco Temporal, que desconsidera terras indígenas antes de 1988, ainda que as TIs assegurem preservação ambiental e, atualmente, sejam as que mais barram o desmatamento ilegal.

Enquanto o número de mortes não para de subir, sendo 100 confirmadas até o momento, mais de 150 mil pessoas seguem desabrigadas e cerca de 1,4 milhão estão sendo diretamente afetadas, com falta de energia elétrica e água potável. O cenário é de piora do quadro nos próximos dias, com alertas de enchentes e mais de dez municípios da região Sul, além da capital Porto Alegre.

“O que está ocorrendo no RS é a combinação de um evento climático extremo com negligência e negacionismo climático. Ao longo dos anos, principalmente no governo Bolsonaro, a Câmara vem aprovando a toque de caixa inúmeros projetos antiambientais, sendo que há décadas a ciência alerta para os efeitos do aquecimento global. Além disso, também estamos vendo os efeitos da política neoliberal, que destrói as estruturas do serviços públicos e que agora estão sendo fundamentais. Se a máquina pública estivesse funcionando plenamente, estaria mitigando os estragos de forma muito mais eficiente””, afirmou a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS).

O decreto legislativo (PDL 236/2024), que reconhece estado de calamidade pública no Rio Grande do Sul até 31 de dezembro de 2024, foi promulgado nesta terça-feira (7) pelo presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco. No entanto, o mesmo congresso deixou de destinar uma única verba para recuperação de áreas após enchentes do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional.

O secretário-executivo do Observatório do Clima (OC), Marcio Astrini, aponta que tanto os governos estaduais quanto o federal têm responsabilidade nas tragédias recentes, no entanto, o Congresso também é responsável, pois promove retrocessos nessas áreas.

Astrini critica a maioria conservadora do Congresso por aprovar projetos prejudiciais ao meio ambiente, citando tentativas de desmontar legislações ambientais, como a Lei de Licenciamento Ambiental e a reserva legal na Amazônia, além de buscar acabar com reservas indígenas. Ele destaca a intensa atividade legislativa para enfraquecer a proteção ambiental no país.

“Deputados trabalham dia e noite para destruir a legislação ambiental do Brasil com afinco. Neste momento estão querendo acabar com a Lei de Licenciamento Ambiental, querem acabar com a reserva legal na Amazônia, querem acabar com as reservas indígenas”, diz Astrini.

FOTO EDGAR KANAYKÕ XAKRIABÁ

A deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG) foi a única congressista que indicou recursos para ações de mudança do clima no Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática desde o início de 2023. A Câmara possui 513 deputados.

“Não podemos aceitar mais o negacionismo climático. A população brasileira é muito pouco negacionista, mas quando a gente vai na classe política aumenta muito. O nível de políticos que não querem aprovar orçamentos que vão nessas medidas de aumentar muito a resiliência dos brasileiros com relação aos extremos climáticos é alto. Então, nós temos realmente muito a mudar essa postura política”, afirma o climatologista Carlos Nobre, em entrevista para o Congresso Em Foco.

Pampa na Comissão da Injustiça

Em março, a Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJ), presidida pela deputada bolsonarista Carol De Toni (PL), votou e aprovou, por uma margem de 38 votos a 18, o substitutivo ao Projeto de Lei (PL) 364/19. O projeto, de autoria do deputado ruralista Alceu Moreira (MDB-RS) e relatado por Lucas Redecker (PSDB-RS), também membro do agronegócio, tem o potencial de impactar significativamente a proteção ambiental da vegetação nativa em todo o país.

O PL 364/19 propõe eliminar a proteção ambiental da vegetação nativa nas chamadas “áreas não florestais”, abrindo caminho para a conversão dessas áreas em expansão agrícola. Sob a justificativa de “flexibilizar” as áreas de proteção ambiental para permitir a expansão agropecuária em campos de altitude da Mata Atlântica, o projeto, na prática, afeta áreas em todos os biomas brasileiros.

Foto: Câmara dos Deputados

Uma das principais preocupações levantadas por especialistas e organizações ambientais é que o projeto permite a exploração irrestrita das áreas caracterizadas como não florestais, mesmo que ainda possuam vegetação nativa. O único critério restritivo estabelecido é que tenham sido utilizadas para plantio até julho de 2008. Isso expõe vastas extensões de campos nativos em biomas como Pantanal, Pampas, Cerrado, Amazônia e Mata Atlântica à ameaça do desmatamento.

De acordo com uma nota técnica da Fundação SOS Mata Atlântica, o projeto coloca em risco cerca de 48 milhões de hectares de campos nativos em todo o país, incluindo áreas cruciais como 50% do Pantanal, 32% dos Pampas, 7% do Cerrado e partes da Amazônia e da Mata Atlântica. A extensão dessas áreas expostas ao desmatamento é comparável ao tamanho do Paraguai.

Um dos aspectos mais preocupantes do projeto é sua potencial revogação da proteção adicional prevista pela Lei da Mata Atlântica. Esta lei criou uma camada extra de proteção ao bioma, impedindo a destruição de vegetação nativa por sua importância ecológica, independentemente de estar fora das áreas previstas pelo Código Florestal.

Foto: Lauro Alves/Secom

Na casa do bilhão

Ainda é incerto o valor que será utilizado para recuperação da estrutura e apoio logístico às pessoas vítimas das enchentes no sul do país. Algumas projeções do governo do estado do Rio Grande do Sul apontam para além de R$ 3 bilhões. O governo federal mobiliza R$ 1 bilhão de emendas para auxiliar na recuperação de estrutura e no auxílio às pessoas atingidas.

O Governo Federal já anunciou que deve suspender o pagamento das parcelas do estado relativas à dívida com a União. A suspensão deve valer pelo período de um decreto ainda a ser publicado.

Em 2023, a pasta gastou R$ 1 bilhão do próprio orçamento para a reparação dos municípios atingidos por desastres, de acordo com o UOL.

“Tem que se preparar as populações. As populações precisam estar muito mais preparadas. Isso é para ontem. Dá para fazer com rapidez a educação das populações. Todas as cidades têm que ter as áreas para onde as populações têm que se deslocar, tem que ter um sistema de abastecimento de água, de alimentos, de remédios, de atendimento médico. Tudo isso tem que estar pré-programado”, alerta o especialista Carlos Nobre.