Por Leila Monnerat

No início de abril, foi apresentado à Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro o projeto de lei 3027/2024, que proíbe a instituição de cardápios vegetarianos e/ou veganos nas creches e escolas públicas da cidade. O texto também impede que os alunos sejam estimulados a adotar o vegetarianismo ou veganismo “sob quaisquer formas de indução, curriculares, extracurriculares, workshops, seminários, excursões, palestras e assemelhados”. Alegando “o evidente sequestro da pauta vegetariana/vegana nos últimos anos pela militância mais radical de esquerda” e negando a existência de crise climática que justifique a adesão à dieta vegetariana, o vereador proponente, Carlos Bolsonaro (PL), embasou seu projeto também em um suposto “caráter onívoro milenar e genético do ser humano”.

De acordo com o autor, o objetivo é “evitar que o Estado se intrometa numa particularidade que inequivocamente pertence às famílias, que não são obrigadas a adotar agendas militantes a título de ‘alimentação saudável’ ou em função de ecofanatismos alheios, que ao cabo e ao fim é do que trata hoje boa parte da agenda vegetariana/vegana”. Apoiando suas alegações em dados nada científicos, além de demonstrar falta de conhecimento a respeito da pauta sobre a qual se propôs legislar, o vereador do PL deixa claro seu despreparo ao tratar de assuntos sobre as questões alimentares da população.

Carlos Bolsonaro questiona os benefícios a respeito da dieta vegetariana dizendo que “não há, ainda, anos de observações seguras, análises clínicas contundentes e conclusões sérias o suficiente que atestem não somente os benefícios, mas a ausência de malefícios sobre a adoção de uma alimentação estritamente vegetariana/vegana”. Para referenciar os argumentos, o autor cita matérias veiculadas na imprensa e também um episódio de série ficcional, mas não menciona trabalhos acadêmicos ou pareceres de especialistas em nutrição ou medicina, por exemplo. Alega que “a adoção coletiva de uma dieta vegetariana/vegana pode ser um passaporte para inúmeros problemas”. Assim, o projeto – que carece de embasamento científico – deixa clara a falta de domínio do tema por parte do autor, que usa opiniões pessoais preconceituosas e também o negacionismo para formular as justificativas.

Um ponto utilizado por Carlos para desqualificar a oferta de opções à base de vegetais nas creches e escolas é a pauta ambiental. Argumenta que “esta também foi sequestrada pela militância de esquerda” e que o aquecimento global é “uma besteira já mais que refutada”. Sendo assim, não se justificaria a adoção de uma dieta vegetariana com o objetivo de frear a crise climática. Para corroborar a informação ele cita o climatólogo Ricardo Felício, pesquisador negacionista e antivacina demitido pela USP.

Bolsonaro chega a dizer que “culpar a agropecuária pelo aquecimento global tem tanta solidez científica quanto a classificação zoológica de uma mula sem cabeça”. E segue: “parafraseando o Professor Felício, é uma estupidez aguda e uma presunção boçalóide achar que a Humanidade tem a capacidade de alterar o clima de um planeta com 510 milhões de quilômetros quadrados, como justificar atochar, com o perdão da palavra, uma alimentação exclusivamente verde em vastas extensões da população, e especialmente em crianças e adolescentes?” Fica evidente – mais uma vez – que o negacionismo e a desinformação dirigem sua proposta legislativa.

Fazendo contraponto às informações utilizadas pelo vereador para fundamentar seu projeto de lei, nos últimos anos têm sido publicados dados científicos robustos que estimulam a adoção de uma dieta baseada em vegetais, não apenas pelos benefícios à saúde humana, mas também pelas questões ambientais e éticas. Optar pelo maior consumo de vegetais e grãos integrais, e reduzir o de alimentos de origem animal, são inclusive orientações da ONU.

Além disso, dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas apontam que a transição para uma alimentação vegetariana estrita (livre de qualquer ingrediente de origem animal) é a que tem maior chance de mitigar os gases do efeito estufa até 2050. No painel da COP-28, a revisão dos sistemas alimentares ocupou espaço considerável na agenda, já que a pecuária está associada à maior parte dos gases de efeito estufa e também à devastação dos biomas. A pecuária é uma das atividades humanas com maior impacto ambiental, em especial sobre a emissão de gases do efeito estufa, desmatamento e uso do solo.

No quesito saúde humana, o consumo de carne é sabidamente associado ao câncer (principalmente o de intestino), sendo as carnes processadas identificadas pela OMS/IARC risco nível 1, e as demais carnes vermelhas como provável carcinógeno (risco nível 2A).

Já com relação à alegação do “carácter onívoro milenar do ser humano” citado na justificativa do projeto de lei, é importante esclarecer que a eventual oferta de alimentos vegetais nas creches e escolas municipais não excluiria outras opções do cardápio. E vale destacar que a iniciativa de oferecer opções à base de vegetais ou livres de ingredientes de origem animal – para além das questões de saúde, éticas e ambientais – é também um apoio à inclusão alimentar, tão necessária no ambiente escolar.

Fontes :Diário do Rio, Carta Capital e Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro.