Durante uma audiência pública na Câmara Municipal de Pelotas (RS) em junho de 2022, o ecólogo Marcelo Dutra da Silva, professor de Ecologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), fez um alerta severo sobre as mudanças no comportamento das chuvas. Na época, Dutra da Silva destacou que, desde 2013, havia observado um aumento significativo na precipitação, com acumulados mensais de mais de 300 mm. Ele levantou questões cruciais sobre o preparo das autoridades, incluindo a Defesa Civil, para lidar com as consequências das chuvas extremas.

O aviso, amplamente compartilhado nas redes sociais após as inundações que assolaram o Rio Grande do Sul, ecoa como um recado urgente: a reconstrução do Rio Grande do Sul não pode simplesmente acontecer em locais que são atingidos, e deve inaugurar uma etapa de resiliência e adaptação às realidades climáticas emergentes. A catástrofe climática já deixou pelo menos 100 mortos, afetou diretamente 1,4 milhão de pessoas, além de expor a vulnerabilidade de muitas cidades gaúchas diante de eventos climáticos extremos. As enchentes também provocaram um alto número de desabrigados: 200 mil.

Identificar riscos

Dutra da Silva destacou a necessidade de um planejamento proativo para identificar e mitigar os riscos associados às mudanças climáticas. Ele enfatizou que medidas como o realojamento de comunidades em áreas de alto risco e a revisão dos planos diretores das cidades são essenciais para aumentar a resiliência diante dos desastres iminentes.

“Críticos vão dizer que estamos preocupados só com a biodiversidade, e argumentam que é preciso pensar na vida das pessoas, no desenvolvimento. Se eu estivesse só preocupado com a biodiversidade tudo bem, mas nem estamos mais falando disso, neste caso”, afirma. “Estamos falando de sobrevivência, porque significa você colocar lá um empreendimento e ele ficar debaixo d’água”, complementa o especialista em entrevista à BBC Brasil.

Fotos: Giulian Serafim/ PMPA

As recentes inundações, menos de seis meses após enchentes devastadoras na serra gaúcha em novembro do ano anterior, apontam a necessidade de uma resposta mais robusta por parte das autoridades. Dutra da Silva argumenta que a reconstrução do estado deve ser guiada por uma nova abordagem, considerando cuidadosamente as áreas mais seguras e resistentes às mudanças climáticas.

“Desedificar áreas de alto risco”

Ele destaca a necessidade de “desedificar” áreas de alto risco, devolvendo espaços vulneráveis à natureza e concentrando o desenvolvimento urbano em regiões menos propensas a inundações e deslizamentos.

O especialista adverte que as cidades localizadas em vales de rios enfrentam riscos particulares e podem exigir uma realocação estratégica para garantir a segurança dos moradores. Ele cita exemplos como Muçum, que foi repetidamente atingida por inundações em 2023, evidenciando a falha das autoridades em proporcionar moradias seguras para as comunidades afetadas.

Dutra da Silva enfatiza a necessidade de investimentos em infraestrutura resiliente, como pontes e estradas elevadas, e a adoção de tecnologias avançadas para alertar a população sobre potenciais desastres. No entanto, ele ressalta que tais medidas serão insuficientes sem uma mudança fundamental na abordagem de planejamento urbano e no reconhecimento da nova realidade climática.

“O investimento rápido vai ter que ser na correção dessas cidades, na atualização dessas cidades, para que a gente se torne mais adaptado a essa nova condição. Porque não é só alertar”, conclui o especialista.